Santos FC

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sexta-feira, 13 de abril de 2012

A história explica a importância da cidade "pequena" onde o Santos FC nasceu



Assisti  nesta véspera do centenário, o filme Santos 100 anos de futebol e arte.

Bonito, com momentos de muita emoção, mas poderia ter ainda mais emoção e um pouco mais de densidade histórica.

O filme faz referência ao fato do Santos não ser um time de capital, especificamente de São Paulo, o que tornaria um pouco incompreensível a grandeza que alcançou.

Como um time tão vitorioso pôde surgir em uma cidade pequena?

A história ajuda a entender.

Santos  x Corinthians (este fundado em 1910) é um dos clássicos mais antigos do futebol brasileiro, quase um século de história. O primeiro jogo foi em 1913, 6x3 para o Santos.

Quando esse jogo, que até hoje lota os estádios paulistas, foi travado, fazia apenas 25 anos que a abolição da escravatura havia sido decretada. Apenas 24 que a República fora proclamada. Mal saíramos do Império. Nessa época, a cidade de Santos estava em plena trajetória para se transformar no maior porto da América Latina. Concentrava, desde o fim do século XIX, o fluxo das exportações brasileiras, basicamente de café, do qual o Estado de São Paulo tornara-se o maior produtor, seguido por Minas Gerais.

(veja aqui histórias do café e do porto: http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos157.htm )

A elite da cidade havia participado, com intensidade, do movimento abolicionista e da proclamação da República. E a imensa maioria dos jogadores do Santos, do primeiro e do segundo time, era de famílias tradicionais da cidade que tiveram grande participação nesses movimentos libertários. Araken Patusca,  um dos ases do ataque dos cem gols em 1927, disse certa vez: “No começo, o Santos era conhecido como o time da família, porque nos seus primeiro e segundo times havia 16 jogadores que eram parentes”. Eram, entre outros, os Oliveira, Silveira e os Patusca, que tinham representantes tanto na diretoria quanto nos gramados.

Abra-se, na página 98, o livro “Visão do Jogo, primórdios do futebol no Brasil”, do acadêmico campineiro José Moraes dos Santos Neto. Lá está a fotografia da primeira seleção brasileira de futebol, formada em 1914, para disputar a Copa Roca contra nossa eterna adversária, a Argentina. O time posa, todos em elegantes fatiotas, em uma foto promocional. No canto direito, agachado, com sua indefectível gravata borboleta, lá está o Miúdo, Arnaldo Silveira, autor do primeiro gol oficial da história do Santos F.C., em 1912. Na mesma foto também está Millon, seu companheiro no ataque santista na segunda década do século XX. Ganhamos por 1 a 0.

Quando foi defender a primeira seleção de futebol formada no Brasil, Arnaldo estava jogando, também ao lado de Millon, no time do Paulistano, em São Paulo, temporariamente emprestado pelo Santos. Foi um dos jogadores que chamou a atenção da imprensa nos jogos em Buenos Aires, ao lado de Friedenreich (Ipiranga), Rubens Salles (Paulistano) e Bartolomeu (Fluminense) “por abusarem dos dribles de corpo e das costuradas”.

Cinco anos depois, Arnaldo e Millon saíram novamente bem, lado a lado, na foto da seleção brasileira que foi campeã sul-americana de 1919, ganha com uma vitória contra o Uruguai, gol de Friendereich na prorrogação, mais exatamente no 150o.minuto de jogo. Haja prorrogação! Arnaldo Silveira foi o capitão do time.

Arnaldo Silveira resumiu sua carreira em entrevista concedida ao O Estado de S. Paulo em 29 de junho de 1980, quando já contabilizava 85 anos de idade: “A minha passagem pelo futebol foi curta, mas teve momentos interessantes. Comecei jogando pelo S.C. Americano, clube fundado por Sizino Patusca e Benedito Ernesto Guimarães. Eu tinha apenas 11 anos quando comecei a jogar futebol, em 1906. Meu pai, Turíbio Silveira, da família Xavier da Silveira, de Santos, era um desportista. Nós tínhamos um ótimo relacionamento com os Patusca, nossos parentes. Daí jogarmos juntos, eu, meu irmão, e meus primos, no Americano, enquanto ele foi mantido em Santos. Em 1911, transferiram o nosso Americano para São Paulo. Aí, eu e meus primos, fundamos o Santos Futebol Clube, que foi registrado em 1912. E com o Santos eu evoluí no futebol, tornando-me jogador da seleção brasileira. E na seleção brasileira, assim como na paulista, eu continuei até 1921, quando parei de jogar.” Para casar, pois a família de sua esposa, Olga, não admitia que ela casasse com um jogador de futebol.

Preconceitos familiares à parte, o que importa aqui é registrar que o Santos F.C. já nasceu importante no futebol brasileiro, fornecendo craques para a Seleção Brasileira.

CLASSE É CLASSE, POLÍTICA É POLÍTICA, PAIXÃO É PAIXÃO



Santos, uma das primeiras vilas brasileiras, florescia graças ao fluxo de riquezas geradas pelo café. Para servi-lo, e também servir-se dele, formou-se uma complexa rede de serviços aduaneiros e de abastecimento dos navios que utilizavam o porto, cuja concessão pertencia às famílias cariocas Gaffré e Guinle, (esta última, a mesma do notório playboy Jorginho Guinle, que ainda no fim do século XX se orgulhava de nunca ter precisado trabalhar), que a obtivera no ocaso do reinado de D. Pedro II. O porto, que até o final do século XIX era um amontoado de trapiches instáveis e precários, começava a ser transformado em algo digno do nome.

Germinava, também, uma próspera cadeia de serviços financeiros voltada para a viabilização dos negócios do café, cuja desenvoltura levou à construção da Bolsa do Café, inaugurada em 1921, com a presença do governador do Estado, Washington Luiz e do Presidente da República, Epitácio Pessoa. Pelo porto de Santos trafegavam, também, as importações que moviam a máquina da economia brasileira, ainda parcamente industrializada, e cujo custo era pago, principalmente, com a renda do café.

Formava-se, também, em torno do porto uma ampla massa de trabalhadores, estivadores, maquinistas, carregadores, ensacadores, composta na sua maioria por imigrantes espanhóis e portugueses, que traziam em sua bagagem a herança das lutas sindicais então travadas na Europa – e que começavam a pipocar no Brasil, especialmente em São Paulo, sob forte influência dos imigrantes italianos. Primeiro o anarquismo, depois o comunismo tinham forte influência sobre os trabalhadores de Santos, que ganhou o epíteto de “O Porto Vermelho”, a “Barcelona Brasileira".

Antes dos anos 1930, as manifestações desses trabalhadores portuários eram encaradas pelos políticos, polícia, tribunais e pela elite como “ameaças ilegítimas à ordem pública”  e como tais eram tratadas. Depois de 30, eles foram englobados pelo sistema sindical corporativista, criado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas e a ele, e a tudo que o influenciava a nível nacional, ligaram o destino de suas lutas políticas e reivindicatórias. Houve muitas lutas nas décadas seguintes, envolvendo os estivadores e os demais trabalhadores da cidade, todas, em maior ou menor grau, com repercussão nacional.

Classe é classe, política é política, e futebol é paixão, não importam as diferenças políticas e sociais. O Santos, é claro, angariou torcedores entre todas as camadas sociais da cidade. Nem poderia ser diferente, porque paulatinamente foi crescendo e conquistando espaço no futebol estadual e brasileiro. Foi vice-campeão paulista em 1927,28,29 e 31, neste último ano apenas um ponto o separou do campeão, o São Paulo. Foi a fase de brilho inaugurada pelo ataque de cem gols, de 1927, aquele mesmo que foi convidado a inaugurar o Estádio do Vasco Gama: Omar (Siriri), Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista.

Em 1927, o juiz Antonio Molinaro roubou o Santos, em plena Vila Belmiro, no jogo em que disputava o título contra o Palmeiras, então Palestra Itália.. Deixou de marcar três penaltis a favor do Santos, anulou um gol do alvi-negro, inventou um pênalti para o Palestra, validou gol em impedimento e acabou o jogo antes do tempo. Feitiço, o astro que fez 213 gols pelo Santos não jogou a final. Havia sido suspenso, por 7 meses, por desacato ao presidente da República, Washington Luiz, durante um jogo entre as seleções paulista e carioca. Feitiço resistia a uma cobrança de pênalti a favor dos cariocas. Como o tempo passava e nada acontecia um ajudante de ordens da Presidência foi a campo dizer que Washington Luiz queria que o jogo recomeçasse. Feitiço deu uma resposta atravessada: “Diga ao presidente que ele manda no país, aqui no campo quem manda sou eu”. Foi suspenso, junto com o goleiro paulista Tuffy, do Santos, que também não jogou a final de 27.

Diante de episódios como o de 1927 e de tantos vice- campeonatos, os torcedores do alvi-negro de Vila Belmiro cultivaram a crença de que o Trio de Ferro sempre dava um jeito de arranjar as coisas para o Santos não chegar lá. Acreditavam que o Trio era favorecido pelo “apito amigo”. Por isso, resolveram se precaver quando o Santos pegou o trem da Santos-Jundiaí para jogar contra o Corinthians no Parque São Jorge. A vitória lhe daria o título de campeão paulista de 35, que, àquela altura do campeonato, disputava com o Palestra, novamente.

 Foi a hora de os estivadores do porto entrarem em cena. Mário Pereira, um dos atacantes santistas que participou do jogo, popularizou a história de que os estivadores levaram galões de gasolina para o Parque São Jorge, ainda de arquibancadas de madeira. E mostravam disposição de botar fogo em tudo, caso o Santos fosse prejudicado pela arbitragem. O Santos ganhou por 2x0, gols de Raul e Araken e foi pela primeira vez campeão paulista. E toda a cidade, elite e trabalhadores, comemorou.

Essa história mostra que a elite econômica da cidade orbitava em torno da riqueza do café, mantendo profundos laços com a de São Paulo e com o esquema de poder que comandava o país, sediado no Rio de Janeiro. O mundo sindical portuário também tinha fortes laços com o resto do país. Santos, portanto fazia parte do eixo político-econômico que mandava no Brasil. Era natural que o principal time de futebol da cidade se beneficiasse desse relacionamento. Ressalta-se, ainda, que Santos era a segunda maior cidade do Estado de São Paulo, à época, posição que manteve até fim da década de 60, pelo menos.

Agora, um detalhe pessoal:


Dois parágrafos de um texto postado, há alguns anos, por Alex Frutuoso, blogueiro do site de A Tribuna de Santos, relembram a história de meu avô Ricardo Pinto de Oliveira e de meu tio-avô Arnaldo Silveira nos primeiros anos de vida do hoje centenário Santos:

No primeiro jogo considerado oficial do Santos FC, em 15 de setembro de 1912, o adversário foi o Santos Athletic Club, mais conhecido como Clube dos Ingleses, hoje uma das agremiações mais tradicionais da Cidade, mas que não mantém uma equipe de futebol na atualidade. O Santos Futebol Clube venceu por 3 a 0. O primeiro gol oficial da história do clube foi marcado por Arnaldo Silveira.

No dia 22 de junho de 1913 , o time santista conquistava sua primeira vitória em uma competição estadual. E logo diante daquele que viria a se tornar seu maior rival: 6 a 3 diante do Corinthians. E em pleno Parque São Jorge.

A ficha técnica desse jogo contra o Corinthians foi a seguinte:
1 - 22/06 6x3 SC Corinthians P (6)
Local: Parque da Antártica Paulista – São Paulo - Campeonato Paulista de 1913
Gols: Millon (2),Urbano Caldeira (3) (ou Arnaldo Silveira – 2?) e Nilo (ou Marba?) (SFC) – Police (2) e Carmo (SCCP)
SFC: Durval Damasceno; Sydnei Simonsen e Arantes; José Pereira da Silva, Ambrósio Silva e Ricardo Pinto de Oliveira; Millon, Nilo, Urbano Caldeira, Arnaldo Silveira e Haroldo.
Técnico: Urbano Caldeira

Meu avô, pela escalação à antiga, (1,2,3,5) jogava na lateral esquerda.
Em sua carreira no Santos, jogou 106 partidas + 2 não oficiais, marcando
2 gols.

Conquistou as seguintes taças e campeonatos:
Campeão Santista (1913)
Campeão Santista (1915)
Taça Antártica (contra o São Cristóvão, em 1917)
Taça Baby (contra o São Cristóvão, em 1917)
Taça Sudan (contra o Minas Gerais, em 1918)
Taça Vanodiol (contra o Paulistano, em 1918)
Taça Câmara Municipal (contra a Seleção Santista, em 1919)
Taça Remington (contra o Minas Gerais, em 1920)
Taça Sociedade Beneficente Síria de Santos (contra o EC Sírio, em 1921)
Alguns de seus méritos:
• Participou da 1ª partida internacional do SFC
• Participou da 1ª partida contra o Corinthians
• Participou da 1ª partida do SFC em Campeonatos Paulistas
• Participou do 1º título do SFC (Campeonato Santista de 1913)
• Atuou na 1ª partida no interior (contra a AA União de Amparo)
• Participou da 1ª partida contra o Palestra Itália (SE Palmeiras)

Além de serem jogadores dos primeiros times do Santos, meu avô Ricardo e meu tio-avô Arnaldo tiveram a rara chance de, em vida, verem o clube que ajudaram a fundar se transformar no maior time de futebol de todos os tempos, em Bi-Campeão Mundial Inter-clubes, na era Pelé.

É possível emoção maior para esportistas?



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