Acabei a terça-feira de carnaval com uma overdose de Woody
Allen. Uma overdose prazerosa.
Primeiro vi um excelente documentário da HBO
sobre o diretor, que mostrou como ele evoluiu de realizador de comédias de
sucesso para mestre de filmes com roteiros existenciais, sobre relacionamentos
pessoais, convenções sociais, romances, sempre marcados pela inteligência, bom
humor, ironias e bela fotografia. Annie Hall e Manhattan, dos anos 70,
encantaram a minha geração que passava pelos 30 anos de idade, na época. O
documentário centra seu roteiro em mostrar essa evolução.
Como uma continuação, a HBO mostrou um filme realizado depois
da produção do documentário, Meia Noite em Paris. É a história de um roteirista
de Holywood, Gil Preston, que, em 2010, viaja com sua noiva californiana e os pais
dela para Paris, cidade na qual sonha morar e realizar-se com o que realmente
que ser, um escritor.
Gil é fascinado pela vida dos anos 20 em Paris, onde viviam
Hemingway, Zelda and Scott Fitzgerald, Pablo Picasso, George Gershwin, Salvador
Dalí, TS Elliot, o jovem Luís Buñuel, cineasta espanhol cujo talento brilharia
no futuro e Gertrude Stein. Graças à magia do cinema ele vive uma fantasia que
o faz conhecer todos seus ídolos dos anos 20, a Era de Ouro, como ele a chama.
Um dia a fantasia se desvanece, mas empurra Gil para o seu sonho. Ele
desembarca de seu racionalismo lógico, deixa-se invadir pela ousadia e
imaginação, rompe o projeto de casamento na Califórnia e decide viver em Paris.
E o que tudo isto tem a ver com este blog cujo tema é o
nosso Santos FC, o glorioso alvi-negro praiano, da Vila Belmiro? É que eu me
irritei mais uma vez com o comentarista Lúcio Ribeiro, da página de esportes da
Folha de S. Paulo, cuja especialidade é criticar a decisão de Neymar continuar
jogando no Santos FC ao invés de entregar-se aos milhões de euros do futebol
europeu e enfrentar Messi.
O comentário desta terça-feira de carnaval leva o
título “Neymar vê futebol”, no sentido que o verdadeiro palco do esporte são os
campos europeus, onde Lucas irá estrear em breve na Copa dos Campeões, jogando
pelo PSG e um tal de Taíson pelo Shakhtar Donestks, da Ucrânia. O dois, segundo
o comentarista, vão levar vantagem sobre Neymar em termos de reputação como
craques. Enquanto isso, Neymar os assistirá pela TV, aqui do Brasil. Ele só
esqueceu que, mesmo jogando no Brasil, Neymar
já disputou duas vezes, pela FIFA, o título de autor do gol mais bonito do ano e
ganhou uma.
Ao invés de viver em Paris, como fez Lucas (ou Madri ou
Londres), Neymar decidiu continuar a jogar no templo maior da Era de Ouro do
futebol brasileiro, a Vila Belmiro – e é aqui que esta história toca a do filme
Meia Noite em Paris. Pois se não está convivendo com Messi, Xavi, Cristiano
Ronaldo, Ibrahimovic, segue a trajetória de um Pelé, Zito, Coutinho, Pepe,
craques do maior time de futebol de todos os tempos, os Hemingwais do
fantástico futebol brasileiro dos anos 50,60,70, bi-campeões mundiais
interclubes e integrantes de times que levaram o Brasil ao tri-campeonato
mundial na época.
Sábado de carnaval, andando de bicicleta pela minha vizinhança
aqui em São Paulo, deparei-me mais uma vez com um grupo de meninos simples,
provavelmente de Paraisópolis, jogando futebol usando camisas bem desgastadas
de times europeus, Barcelona e coisas que tais. Não eram camisas nem do São
Paulo, nem do Palmeiras, nem do Corinthians, muito menos do Santos, claro.
Assim como toda uma nova geração, de meninos pobres e ricos, eles devem se
ligar com times brasileiros, sim, mas estão ligados ao que ocorre no hoje
combalido Velho Continente, cujos campeonatos, alguns sem o menor valor
futebolístico, invadem a TV brasileira, especialmente via canais a cabo. Não
faltam programas esportivos sobre o que acontece na Inglaterra, Espanha,
Itália, França, Holanda, etc, em que jornalistas brasileiros narram e comentam
jogos como se estivessem falando do Campeonato Brasileiro.
Não sou ingênuo, tudo isso faz parte de um processo de
fortalecimento do futebol europeu que deu um enorme salto a partir dos anos
1980, quando o esporte ganhou espaço como eficiente outdoor de publicidade para
marcas de produtos. Acelerou-se ali, num momento em que a Europa estava muito
bem, uma violenta drenagem de jogadores de todas as partes do mundo para abrilhantar
os gramados do Velho Continente, a ponto de em um determinado momento, o
Chelsea, de Londres, se não me engano, não ter sequer um inglês em seu time
titular – financiado por dinheiro que também não é inglês.
Superar esse quadro
é um desafio empresarial e esportivo enorme para um futebol como o brasileiro,
que dá seus primeiros passos para um real profissionalismo – ainda muito
incipientes, é claro.
Pois há quem sonhe em transformar esse quadro. O Santos, Neymar e seu pai estão remando nessa
direção até agora. Não foi o caso do São Paulo, que preferiu passar o Lucas nos
cobres e investiu-os no Ganso, que é aconselhado pelos mercenários do grupo
Sonda, que acordam e dormem sonhando com euros. Nem do Internacional, que se
desfez rapidamente de Oscar e, antes de Pato, que não deu certo lá e já está de
volta. Há quem queira reconstruir um time de passado glorioso, tentar mudar a
realidade do futebol brasileiro e os que só pensam no caixa ao administrar seu
clube. Enfim, há modos e modos de encarar as coisas do futebol brasileiro.
Neymar está feliz no Santos e esse é um parâmetro importantíssimo
para avaliar a satisfação de alguém com a vida que leva. Além do mais, faz
dinheiro em padrões de jogador europeu. Claro que poderá ir embora, seduzido
pelas glórias da conquistas globais com que a Europa acena para os jogadores de
todo o mundo e apregoadas pelos Lúcios Ribeiros da crônica esportiva
brasileira.
Havia um jornalista italiano, cujo nome não me recordo, que dizia
que Pelé não poderia ser considerado o melhor da história, pois nunca havia
jogado na Europa. Pois simplesmente esqueceu que ele foi tri-campeão mundial
pela Seleção Brasileira, bi mundial pelo Santos e colecionou dezenas de títulos
e vitórias nos torneios disputados nas excursões que o alvi-negro da Vila Belmiro
fazia pela Europa e pelas Américas, todos os anos, desde 1959 até o começo dos 70.
Esse italiano era um Lúcio Ribeiro europeu da época e o Lúcio
Ribeiro brasileiro talvez tenha o sonho de ir trabalhar nos jornais Marca e Ás,
de Madri, ou no L’Equipe da França, para ficar mais perto dos craques
brasileiros no exterior.
Por enquanto, Neymar, a quem ele tenta doutrinar,
prefere agir como o Gil Preston, de Woody Allen, e viver onde se sente bem, em
Santos, no Santos FC, jogando seu futebol cheio de imaginação.
Woody, Anos Dourados,Colonialismo de lá e nossas macaquices!
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